Este é provavelmente o post mais difícil para mim até agora no Kocowa Blog, apenas porque “Doctor John” já é um dos meus k-dramas favoritos de 2019, por diversos motivos. E quanto mais eu gosto de um drama, mais ficarei envolta em sentimentos sobre tudo o que vi e terei dificuldade de definir em palavras. E se tem algo que “Doctor John” nos desperta são emoções, algumas as quais todos estamos propícios, porém nem sempre fazemos presente.

Chega a ser irônico falar de “não conseguir definir em palavras” quando esse drama tem um texto tão rico. Um dos grandes feitos do enredo principal de “Doctor John” é o de justamente tentar debater assuntos espinhosos, como vida, dor, empatia, pena e morte. E o papel da medicina e seus profissionais em meio a todas essas questões. Qual é a função de um médico? Curar? Diminuir a dor? Acabar com a dor? Mas vamos por partes.

<strong>A doença é o desespero e o médico é a esperança<strong>

Uma característica de bons roteiros são personagens interessantes e bem escritos, e, com certeza, interesse pelos personagens é algo que nos prende desde o primeiro episódio de “Doctor John”. Personagens peculiares que são apresentados através de suas particularidades, porque o drama não nos dá respostas, ele começa com perguntas. E, claro, isso com o apoio fundamental de um elenco que parece ter sido escolhido a dedo, de tão bem que executou seu trabalho. 

Quem são essas pessoas? Por que elas estão assim? Por que uma médica (Lee Se Young) não está ativa em seu ofício e quer fugir? O que aconteceu com o médico Cha Yo Han (Ji Sung) para que esteja na prisão? Quem é esse promotor (Lee Kyu Hyung) e qual o problema dele com o médico Cha Yo Han? São perguntas que serão respondidas ao longo do drama, principalmente na primeira metade da história.

Contudo, a direção de fotografia é o que mais me encanta na maneira como “Doctor John” nos apresenta essas pessoas em situações de desesperança. Uma médica que sequer se lembra de amarrar o cadarço do tênis, um homem que tem uma unha roxa na mão de tanto bater nos lugares por conta de sua ansiedade constante (e outros motivos que não vou contar por ser spoiler), um promotor que usa o anel com a seguinte frase: “Memento Mori” — expressão latina que significa algo como “lembre-se de que você é mortal”, ou, se traduzido literalmente, “lembre-se da morte”. Num primeiro momento, todos esses são detalhes que nos dão pistas, visualmente e sem texto algum, sobre quem são estas pessoas.

Quem acompanha meu trabalho no ADQSV e nas redes sociais sabe que sou da área de fotografia, e a cinematografia sempre será algo notável para mim, em qualquer produção audiovisual. E a direção visual deste k-drama foi de uma eficiência e ousadia como poucas produções coreanas de TV têm coragem. Aliás, coragem é uma palavra que define bem “Doctor John”, tanto no roteiro quanto na fotografia.

<strong>Em vez de um médico que não sente medo um paciente precisa de um que sente<strong>

Quero dizer, as produções coreanas costumam ser um primor de linguagem visual, mas “Doctor John” usou um recurso mais comum em dramas japoneses, que é a inserção de situações ou cenários “imaginários” em uma sequência. Por exemplo, em uma das minhas cenas favoritas em todo o drama, por seu diálogo e atuações impecáveis, Cha Yo Han (Ji Sung) e o lutador profissional Joo Hyung Woo (Kim Young Gu) são “transportados” para um ringue de luta, sendo que, na realidade, eles continuam na mesma sala de hospital onde sempre estiveram! Isso pode parecer até maluquice para quem não está acostumado e para alguém que assiste mais dramas coreanos do que de outros países asiáticos.

<strong>Eu não sou um médico que mata pessoas<strong>

No entanto, esse recurso deixou diversas cenas do drama mais lúdicas e memoráveis. Tendo o foco num assunto tão polêmico como a eutanásia, levar Ji Sung e todo o elenco para outros cenários foi didático e atenuador. Nos fez sentir mais ainda o peso e a importância daquelas conversas, mas também pode nos fazer absorvê-las com mais leveza.

O recurso de adição de cenários imaginários durante uma confissão romântica

Não é coincidência esse recurso me lembrar dramas japoneses, já que “Doctor John” é adaptação do livro japonês “On hand of God”, de Yo Kusakabe, publicado em 2010 e que também teve um drama japonês lançado em 2019 — “Kami no Te”. Eu fiquei muito curiosa para conhecer a obra original, só que, infelizmente, por enquanto não tem tradução para o livro nem em inglês. Eu gostaria de saber se a coragem para discutir algo tão subjetivo como o desejo de permanecer vivo, ou não, também estava presente no romance nipônico.

O que era um mistério para mim foi desvendado É por isso que nos pôsteres principais eles estão com as mãos para frente provavelmente uma alusão ao título do romance literário japonês Na mão de Deus em tradução livre

Focado na área de anestesiologia, e com um baita suspense médico em meio a doenças raras, melodramas familiares complexos e um romance de olhares fatais, “Doctor John” não nos dá respostas definitivas, já que dor, morte e as escolhas para elas serão diferentes para cada médico, pessoa e família. Não é um drama perfeito, o final tem aspectos bem clichês (de uma forma que os fãs de k-dramas há muito tempo reconhecerão o problema facilmente) e situações até desagradáveis (e desnecessárias) para alguns personagens. 

Mas não escolhemos nossos favoritos por perfeição, escolhemos pelo impacto que causam em nós. E, sem dúvida, o roteiro reflexivo e corajoso que muitas vezes não teve medo de ser difícil para questões universalmente importantes a todos, somado à direção de fotografia eficiente (ela não é apenas bonita, ela é útil) fez de “Doctor John” uma das trajetórias mais marcantes para se acompanhar em 2019.

Ah, e a OST desse drama é simplesmente maravilhosa!

Assista a “Doctor John” completo com legendas em português no Kocowa Brasil.

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